Deputado da oposição Amando Armas e funcionários do Parlamento da Venezuela correm de apoiadores de Maduro em Caracas




















A ditadura venezuelana do presidente Nicolas Maduro – não há outra forma de se referir ao regime, como escrevi há mais de dois anos – planeja realizar no domingo a eleição de Assembleia Constituinte, com o objetivo implícito de perpetuar-se no poder.

O país definha economicamente. O PIB caiu 8,4% em 2015 e 19% em 2016. A inflação chegou 800% no ano passado. A pobreza aumentou de 27% da população, em 2013, para 82% em 2016, gerando uma crise de refugiados sem precedentes no continente. Estima-se que entre 15 mil e 20 mil tenham cruzado a fronteira brasileira, e centenas de milhares, a colombiana. A violência toma conta do país.

No confronto com a Assembleia Nacional, controlada pela oposição desde as eleições legislativas de 2015, Maduro recorre às medidas clássicas do manual das autocracias. A repressão a manifestações, prisões arbitrárias de opositores e violações a direitos humanos se sucedem cotidianamente (a Human Rights Watch até criou um blog ao vivo para acompanhá-las).

As instituições controladas pelo regime não têm outro objetivo que não seja a manutenção do poder nas mãos dos chavistas. No início do ano, Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) se encarregaram de melar o plebiscito ("referendo revogatório") que tiraria Maduro do poder – seu governo é reprovado por 70% da população –, ao cancelar as quase 2 milhões de assinaturas recolhidas pela oposição.

Ao convocar da Assembleia Constituinte, Maduro adotou regras que desprezam o princípio básico da democracia: um cidadão, um voto. De acordo com os critérios eleitorais adotados para o pleito de domingo, a maioria dos representantes serão eleitos por “setores” da sociedade, na verdade corporações sindicais ou outros grupos ligados ao governo chavista.

Em represália, a oposição convocou um plebiscito informal. Mais de 7 milhões de venezuelanos, dentro e fora do país, votaram no último dia 16 contra a eleição da Constituinte. Na última sexta-feira, a Assembleia Nacional destituiu os 33 membros do TSJ, cujo mandato expira este ano, e nomeou novos nomes para os cargos.

A reação chavista não demorou. Três dos juristas nomeados, Angel Zerpa, Jesús Rojas e Zuleima González, foram presos pelo Serviço Bolivariano de Inteligência, a milícia ligada a Maduro. A composição atual do TSJ, nomeada antes da eleição que tirou dos chavistas o controle da Assembleia, diz que mandará prender todos os subsitutos. A própria procuradora-geral, Luisa Ortega Diaz, uma dissidente do chavismo, criticou a decisão.

Com as eleições do próximo domingo, não haverá como controlar o conflito entre a Assembleia Nacional e a Constituinte que for eleita. A situação tem um potencial explosivo inédito, mesmo levando em consideração o retrospecto recente da Venezuela.

A crise institucional venezuelana é tão profunda, que não haverá saída sem algum tipo de intervenção externa. É por isso que a posição do Mercosul, em particular do Brasil, se tornou tão essencial. Na reunião da semana passada, contudo, o bloco amenizou sua declaração contra a Constituinte, embora tenha condenado o regime Maduro.

Na prática, o governo venezuelano já é controlado pelos dois generais que disputam a sucessão de Maduro, Vladimir Padrino e Marco Rodriguez. No eventual choque entre as duas Assembleias, é natural que o Exército defenda a Constituinte. Há um temor legítimo de que qualquer enfrentamento mais duro do regime provoque uma reação militar e um conflito armado no continente.

Diversos países dependem do petróleo venezuelano, em especial a China, que emprestou US$ 60 bilhões ao governo chavista nos últimos anos, segundo a America’s Quarterly. O exemplo chinês espelha a situação de outros países, para quem os interesses comerciais prevalecem sobre a preocupação democráica. Nos últimos anos, a cautela tem sido a tônica do Brasil – e não apenas nos governos petistas.

Mas essa situação tem pouca chance de perdurar. O caos venezuelano só arrefecerá com a saída de Maduro do poder. O ideal seria uma saída negociada, com transição para a democracia. Mas a convocação da Constituinte tornou esse cenário inviável. Um conflito ainda mais violento é praticamente inevitável.

Em encontro do Foro de São Paulo na Nicarágua, no último dia 16, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, manifestou apoio incondicional à ditadura de Maduro – em vez de colocar o partido como possível mediador de uma eventual negociação para a saída dele. Sintomático.