A ex-senadora Marina Silva (Rede-AC) criticou fortemente as acusações da presidente Dilma Rousseff de que é alvo de “um golpe de Estado”. Para Marina, que ficou em terceiro lugar nas últimas duas eleições presidenciais, isso agrava a crise brasileira e pode causar estragos à imagem do Brasil, como fuga de capitais. 
 
Em entrevista ao Blog, Marina afirma que o apego ao poder tem que ter limite e pergunta: “Até que ponto o projeto de poder é maior do que o projeto de país?”, questionou a ex-senadora.

“A presidente já faltou com a realidade dos fatos durante a campanha para ganhar o poder, já praticou as pedaladas fiscais para se manter no poder, agora ela diz que temos uma crise institucional no Brasil para continuar no poder”, complementou.
 
Na sua visão, Marina diz que a única solução que une o país é a realização de novas eleições. “Dos que defendem o impeachment, 54% são favoráveis à cassação também do vice-presidente, que só tem 1% das intenções de voto”. Para ela, nem a presidente, nem o vice-presidente Michel Temer, sucessor direto no caso do processo ser aceito no Senado, têm condições de tirar o país da crise atual.
 
Marina tem aparecido nas  pesquisas de intenção de voto em primeiro lugar, ou em empate técnico com o ex-presidente Lula, mas explica que tem apenas 12 segundos de tempo na televisão e quando começou a defender essa ideia de pacto por novas eleições, nem sabia que poderia ser candidata. “Nós não podemos ir pelos atalhos, os atalhos já nos levaram ao abismo que estamos vivendo hoje”, disse. 
 
A ex-senadora fala da sua preocupação com o agravamento da crise nos últimos dias e conta que tem conversado com outros políticos para fortalecer a única solução na qual acredita: a de devolver o mandato ao povo através de novas eleições.
 
Marina voltou a chamar de Temer de “irmão siamês” de Dilma porque “ambos indicavam diretorias da Petrobras”. “Se na Câmara dos Deputados, o principal defensor de Temer é [o presidente da Câmara, Eduardo] Cunha, no Senado, o principal defensor de Dilma é Renan Calheiros. Ela pediu pressa no julgamento de Cunha no conselho de ética.

Blog – Como senhora avalia o que aconteceu no último domingo no parlamento brasileiro, com os parlamentares votando sim pelo impedimento do presidente sem uma justificativa relacionada ao processo?
Marina – De fato, é lamentável ver, pela segunda vez, o nosso país fazendo debate sobre o impeachment de um presidente da República, com a maioria dos que estavam discutindo momento tão importante, sem entrar no mérito da questão. Poucos foram capazes de discutir as razões porque eram contra a admissibilidade do impeachment e porque eram favoráveis à admissibilidade do impeachment. De fato, a sociedade brasileira ficou perplexa diante de dois grupos que, ou já condenavam a priori, sem discutir o mérito, ou já absolviam a priori, igualmente sem discutir o mérito. Agora, no Brasil, a gente está vivendo uma situação que é muito preocupante. De um lado, um grupo que tenta deslanchar uma agenda conservadora descomprometida com os avanços democráticos, sociais, de defesa dos direitos humanos do Brasil. E de outro, pessoas que historicamente sempre tiveram uma atitude de compromisso com essas bandeiras dando uma espécie de licença política para que aqueles que, no passado, foram comprometidos com essas bandeiras, em nome dessas bandeiras, possam ser absolvidos dos graves erros que praticaram. Quando a consciência crítica de um país passa a ser tragada pela lógica de que os fins justificam os meios, algo muito perigoso está acontecendo. Se você criticar os erros da presidente Dilma, os inúmeros casos de corrupção que aconteceram em seu governo, isso é ser contra a democracia? Isso é ser contra a Constituição, a legalidade? Nós não podemos ser tragados por essa lógica de fundir as pessoas às bandeiras, porque isso é ser tragado pela lógica dos “fins justificam os meios”. Historicamente, há uma parte da consciência crítica de qualquer sociedade que não se deixa tragar por essa lógica, porque, quando ela acontece, a gente já sabe no que dá. Foi assim que, em nome dos fins, se cometeu as atrocidades no nazismo, foi assim que se cometeu as atrocidades no stalinismo. Isso me assusta duplamente.
 
Blog – A presidente afirmou que há um golpe de Estado em curso o Brasil. 
Marina – Infelizmente, a entrevista da presidente Dilma dizendo que houve um golpe de Estado no Brasil, em processo que o rito foi estabelecido pelo Supremo, agrava a crise que nós estamos vivendo. Do ponto de vista do estrago que isso pode causar ao Brasil, fora do País, é imensurável. A presidente já faltou com a realidade dos fatos durante a campanha para ganhar o poder, já praticou as pedaladas fiscais para se manter no poder, agora ela diz que temos uma crise institucional no Brasil para continuar no poder. Até que ponto o projeto de poder é maior do que o projeto de País? Até que ponto a busca por ganhar uma eleição é maior do que o futuro da Nação? Em um processo em que há liberdade democrática de expressão para o posicionamento pró e contra impeachment, há o funcionamento das instituições. Dizer que nós estamos vivendo um golpe de Estado, em nome de arranjar apoio e legitimidade para permanecer no poder, é agravar a crise econômica, a crise social, a crise política, porque agora ela transborda das nossas fronteiras, não mais como uma crise política, não mais como uma crise econômica, não mais como uma crise social, mas como institucional. E isso me preocupou muito. Eu acho que o apego ao poder tem que ter um limite, porque não se pode dizer que há um golpe quando o Supremo fez a tutela do rito do processo de impeachment. E, por incrível que pareça, foi a pedido do próprio governo. Tinha um processo, um rito que estava sendo estabelecido pela Casa, mas foi o governo que entrou com uma ação na Justiça para mudar o rito. O Supremo mudou o rito de acordo com o que peticionava o governo, e agora querem dizer que isso é um golpe? Isso cria um problema, uma dificuldade enorme para um país que já está sem credibilidade, em que há uma indisposição enorme em relação a investimentos aqui com a possibilidade, inclusive, de criar um efeito cascata em que investimentos que estão aqui, recursos que estão internalizados aqui, possam ser retirados de uma hora para outra.
 
Blog – A senhora está em primeiro lugar nas pesquisas. Seria beneficiada com uma nova eleição? 
Marina – Quando eu comecei a defender a saída como sendo uma nova eleição, eu estava em terceiro lugar. Quem estava em primeiro lugar não era eu. Quando eu comecei a defender essa proposta, eu sequer sabia que poderia ser candidata, porque até então a legislação dizia que só pode ser candidato quem tem um ano de filiação, e eu havia acabado de me desfiliar do PSB. E não teria um ano de filiação. Quem mudou a legislação não fui eu e quem entrou com o processo no TSE foi o próprio PSDB. Eu defendo uma nova eleição por convicção, por achar que é o melhor caminho para tirar o País da crise, para repactuar as relações da legitimidade, credibilidade, a partir de um programa. Nós não podemos ir pelos atalhos, que já nos levaram ao abismo que nós estamos vivendo hoje. Agora é a hora de ir pelo caminho, talvez pelo caminho que tenha a porta estreita, mas evitar a tentação dos atalhos. No meu entendimento, o que vai ajudar o Brasil a sair da crise é uma nova eleição aonde se devolva para a sociedade a prerrogativa de repactuar qual é o programa que ela gostaria de ver implementado para a saída dessa crise. E acho que uma pessoa que tem um partido que acaba de ser criado, com apenas 12 segundos de televisão, um fundo partidário incomparavelmente menor aos grandes partidos que estão aí, com estruturas de governadores, de deputados, de senadores, de vereadores, de marqueteiro e muito dinheiro, e que teve uma lei que lhe proíbe de participar dos debates porque não tem até 9 deputados.... a lei permitia participar de debate até a criação do Solidariedade e do partido do prefeito Gilberto Kassab [PSD]. O partido, a Rede Sustentabilidade, só foi legalizado depois que mudaram a lei, e a lei foi mudada de encomenda. Tirando o fundo partidário, tirando o tempo de televisão e a possibilidade de participar de debate. Então, eu defendo por convicção, por achar que é o melhor para o país. Os partidos terão a chance de se reapresentar para a sociedade brasileira. Com base na verdade, com base em um programa, com base em um questionamento nessa forma de que, pra ganhar uma eleição, se faz o diabo. 
 
Blog –  Na sua opinião, é a melhor saída?
Marina – Nesse momento, a ideia que unifica o País é, sem sombra de dúvidas, uma nova eleição, já que 80% da população brasileira a deseja. Por incrível que pareça, dos que defendem o impeachment, 54% também são favoráveis à cassação do vice-presidente, que só tem 1% de intenção de votos. Então, o caminho da nova eleição tem, no Tribunal Superior Eleitoral, a possibilidade de devolver ao povo brasileiro a repactuação de um programa e dar maior legitimidade a quem vai implementar esse programa. Dá uma forte sinalização para o Congresso Nacional sobre o que a sociedade quer ver sendo apoiado. Nós já sabemos, de antemão, que as pessoas querem uma saída para a crise econômica, para a crise social, para a crise política e, sobretudo, a continuidade da Lava Jato. Aliás, naquela declaração que foi vazada do vice-presidente não tem uma palavra sobre a continuidade do apoio às ações de combate à corrupção, de prevenção à corrupção, o apoio às medidas do Ministério Público. Então, a sociedade brasileira, na sua sabedoria, tem uma agenda que ela sabe que ajuda a sair da crise. A repactuação e a legitimidade política está no topo dessa agenda. Por isso, a ideia de uma nova eleição ganha força a cada dia. Antes, eu vinha defendendo essa ideia, mas hoje eu sinto que vários formadores de opinião relevantes têm defendido essa ideia: lideranças políticas como os senadores Cristovam Buarque, o João Capiberibe, Lídice da Mata, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara. O TSE pode devolver à sociedade a possibilidade de repactuar uma saída para o País. A ideia de uma espécie de comitê suprapartidário, com a participação da sociedade, de lideranças, de intelectuais, por uma nova eleição é algo que está ganhando corpo e que, eu acredito, poderá ajudar nesse impasse. Nem a presidente Dilma, nem o vice-presidente Michel Temer têm condição de tirar o nosso País desse impasse.
 
Blog – Mas como a senhora avalia o impeachment? 
Marina – Eu continuo dizendo que o impeachment alcança a formalidade, não é golpe, tem bases legais porque, de fato, foi cometido crime de responsabilidade, fazendo operação de crédito no Banco do Brasil, na Caixa Econômica e no BNDES da ordem de R$60 bilhões, saindo de R$900 milhões para R$60 bilhões. Mas, não alcança a finalidade. A finalidade de repactuar o País com legitimidade e credibilidade, a finalidade de um profundo compromisso com a operação Lava Jato, a Zelotes, a investigação dos fundos de pensão, com a finalidade de continuar mantendo conquistas sociais relevantes e, ao mesmo tempo, recuperando a estabilidade econômica. E por quê não tem legitimidade e credibilidade? Porque o PMDB e o vice Temer é face da mesma moeda. Há 12 anos juntos com o PT, faz parte do condomínio que levou o País à crise econômica, política, social, moral e ética que nós estamos vivendo, beirando quase uma crise institucional. É responsável igualmente, irmão siamês, porque ambos indicavam diretorias da Petrobras, como se vê em todas as delações premiadas, para os crimes contra o dinheiro público que foi praticado. É igualmente responsável porque, se na Câmara dos Deputados, o principal defensor de Temer é Cunha, no Senado, o principal defensor de Dilma é Renan. Ambos do PMDB, ambos implicados na Lava Jato. Então, a saída é uma nova eleição. E, obviamente, que é também a possibilidade de criar um distensionamento na sociedade brasileira, porque alguém acredita que o Temer, com 1% das intenções de voto, começando um governo com 16% das pessoas acreditando no governo dele, sem ter tido um voto pra ser presidente da República, ele vai pacificar o Brasil? Se a Dilma, que teve 53 milhões de votos, aconteceu o que aconteceu, imagine no momento de uma alta conflagração de posicionamentos, se isso vai resolver o problema do Brasil. Alguém acredita que você pune uma parte dos que causaram toda essa crise ética, política, moral e econômica, com a cassação e o outro é ungido como bastião da solução para os problemas da Nação? Isso não tem factibilidade. Temos que reconhecer que é preciso resolver o problema da Câmara dos Deputados, que foi pela admissibilidade do impeachment, mas não consegue fazer a admissibilidade com a urgência e a velocidade para cassar o presidente Cunha, já denunciado na Lava Jato, já sendo processado. Hoje, um dos temas mais importantes para a sociedade brasileira é o combate à corrupção. No entanto, a gravação que vazou do vice-presidente não tem uma palavra sobre a corrupção. Então, é preciso uma nova eleição para que os partidos se reapresentem com base na verdade, apresentem seus programas, suas lideranças, e criem uma reconexão com o País. 
 
Blog – A senhora, antes, não defendia o impeachment. 
Marina – Eu sempre dizia que impeachment não se fabrica, ele se explicita. E de que, no início do debate, eu sempre dizia: “ainda não há elementos suficientes para o pedido de impeachment”. Mas, quando ele foi admitido na Câmara dos Deputados, infelizmente subtraindo a parte referente à corrupção, ficando apenas com a questão das pedaladas, na nota que nós soltamos na Rede nós dissemos: “o impeachment não é golpe, está previsto na Constituição, nós vamos ter uma posição independente e, no processo, já que está aberto, vamos firmar nossa convicção”. Mas, antecipamos que o melhor caminho seria o TSE naquela nota, assim que o impeachment foi admitido. No decorrer do processo, fui firmando a convicção, sobretudo a partir do momento em que se explicitou, do ponto de vista jurídico e do ponto de vista político, as bases para a admissibilidade do impeachment. Do ponto de vista político, todo o material que foi trazido pela Lava Jato, inclusive as delações do Delcídio e tantas outras que vieram. E é político porque foi subtraído do processo, senão estaria no processo que está na Câmara dos Deputados, e agora no Senado. Do ponto de vista jurídico, as informações que foram trazidas pelo próprio Banco Central de que as operações de crédito na ordem de R$ 60 bilhões, saindo de R$ 900 milhões em governo anteriores, R$ 900 milhões para R$ 60 bilhões no atual governo. Em 2013 e 2014, para influenciar na campanha, em 2015, para dar continuidade ao que vinha sendo feito em 2014. Isso é mais do que suficiente para caracterizar crime de responsabilidade. E, como eu sempre tive uma posição independente, nem de condenar a priori e nem de absolver a priori, firmei a minha convicção de que tinha, sim, elementos para a admissibilidade, dizendo sempre que cumpre com a formalidade, mas não alcança a finalidade de passar o País a limpo e de resolver a grave crise que nós estamos vivendo. E de que, sendo coerente com o processo no TSE, acho muito estranho que você diga que sequer admite a abertura do processo para que se faça o julgamento e exigir a cassação da chapa pelo TSE. Então, é um movimento coerente com a materialidade dos fatos. 
 
Blog – Alguns juristas defendem que uma nova eleição pode ferir uma cláusula pétrea.
Marina – A cassação no TSE não fere nenhuma cláusula pétrea. A cassação no TSE, se comprovado que o dinheiro do petrolão foi usado para a eleição da chapa Dilma-Temer, está previsto na Constituição e, ao caçar a chapa, é assegurada uma nova eleição.
 
Blog – A Lava Jato corre risco no governo Temer, na sua opinião?
Marina – Temo que, uma saída como essa, passe uma aura de que as coisas foram resolvidas sem terem sido resolvidas. E hoje, aumenta o meu temor, porque há uma parte dos que são favoráveis ao impeachment e uma parte dos que são contra em que há convergência: o arrefecimento da Lava Jato. E isso é na contramão do que quer a sociedade. E, nesse momento, é fundamental o apoio às investigações para que o Brasil seja passado a limpo.