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Meio Ambiente: retrocesso até nas conferências
sexta-feira, 23 de Agosto de 2013
Programa:
Ciro Campos (foto)
A IV Conferência Nacional de Meio Ambiente, que está sendo realizada nos estados e municípios e chega a Brasília em outubro, deveria ser o ponto máximo do debate socioambiental no país. A primeira conferência estadual aconteceu em Roraima, em 14/8, e nos próximos dois meses os demais estados farão o mesmo (veja calendário). Mas é inevitável comparar essa conferência com as anteriores e constatar que o debate democrático também foi vítima do retrocesso da agenda socioambiental nos últimos anos.
A conferência é realizada, desde 2003, e representa um esforço monumental de mobilização que reúne brasileiros da cidade e do interior, índios, empresários, fazendeiros, pescadores, ambientalistas, agricultores, extrativistas, gente de todas as origens e profissões. Gente que traz na bagagem o conhecimento de sua região e o testemunho sobre o que está certo ou errado pelo Brasil afora. Gente que poderia listar as ameaças e esperanças, fazer as cobranças devidas e debater as soluções possíveis. Uma boa conferência ajuda o país a se olhar no espelho e fazer a autocritica de sua politica ambiental. Em 2013, no entanto, vai ser mais difícil, porque a nova metodologia do evento tem o efeito de reduzir o debate e limitar a contribuição dos participantes.
A conferência de um tema só
A maior diferença dessa conferência é que o debate estará mais restrito a um tema central enquanto nas conferências anteriores a tendência foi o debate abrangente. Havia também um tema central, mas ele se desdobrava em eixos temáticos que garantiam o debate sobre recursos hídricos, agropecuária, indústria, biodiversidade, áreas protegidas, meio ambiente urbano, desmatamento, transportes, energia, resíduos sólidos e tantos outros que permanecem atuais. Foi assim na 1ª conferência, em 2003, que destacava o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente; na 2ª conferência, em 2005, centrada no uso sustentável dos recursos naturais; também na 3ª conferência, em 2008, que tinha como tema a Política Nacional de Mudanças Climáticas.
Agora o tema é a Politica Nacional de Resíduos Sólidos e os eixos temáticos são “geração de emprego e renda”, “produção e consumo sustentável”, “educação ambiental” e “redução de impactos”. Como a transversalidade é menor e os eixos temáticos não contemplam tudo, poderia ter sido criado um espaço para incluir o que ficou de fora, mas isso não aconteceu. O objetivo geral e o específico tratam apenas do tema central e nenhuma abertura surge no texto orientador e nos grupos de trabalho. Vai ser difícil encontrar espaço para avaliar a implementação das deliberações anteriores e também para avaliar as diretrizes, avanços e retrocessos em temas diversos que têm sua própria substância e precisam mais do que uma pincelada transversal. E vai ser mais difícil botar em pauta a construção de hidrelétricas, a mobilidade urbana, mineração, energia, desmatamento, agropecuária, agrotóxicos, áreas protegidas, qualidade da água e do ar, regulamentação do Código Florestal, grandes obras de infraestrutura, a situação dos rios e do litoral, a construção de usinas nucleares, os incentivos a quem preserva e a proteção dos ecossistemas em perigo.
É claro que a questão dos resíduos sólidos é urgente, não só pelo imperativo moral que impõe à sociedade, ou porque todos os lixões, por força de lei, devem ser extintos até 2014, mas também porque envolve oportunidades econômicas e uma reflexão inadiável sobre os nossos padrões de produção e consumo. Apesar da importância, o tema poderia ser tratado devidamente sem ocupar toda a pauta da conferência nacional de meio ambiente.
O fim do debate em plenária e as “bolinhas” para votar
Outra novidade da conferência é o fim do debate e da votação em plenária – exceto para aprovar o regimento e as moções. O debate e aprovação das propostas acontecem em grupos menores e a plenária não tem direito a criticar, defender ou pedir esclarecimento. Ela não vota, apenas “prioriza”, e faz isso colando “bolinhas’ adesivas sobre uma lista de propostas fixada na parede. Cada delegado recebe 10 bolinhas e tem meia hora para colar. Acontece um breve corpo-a-corpo na base do “cola aqui, cola-ali”, pedindo bolinhas para essa ou aquela proposta. A votação acaba e as propostas com mais bolinhas, cinco de cada grupo de trabalho, seguem para a conferência nacional. É rápido.
O debate está proibido na plenária, mas ainda é possível nos grupos de trabalho, menores, que dividem os participantes nos quatro eixos temáticos. A discussão é conduzida por facilitadores que são orientados, segundo o regulamento, a manter o foco no tema central. Nas declarações à imprensa, os representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmam que o debate está aberto, apesar de ter um tema central. Mas levando em conta o regulamento e, a depender da situação, estados e municípios têm um bom argumento para evitar ou enfraquecer a discussão dos temas polêmicos para sua administração. Assim, perdem-se as contribuições de quem tem muito a falar sobre aquilo que conhece bem, justamente o que poderia tornar a conferência mais rica em diagnósticos e recomendações (saiba mais).
A conferência em Roraima
Outra diferença é que a conferência anterior contou com o empenho da própria ministra, arregimentando sua equipe, enquanto na conferência de 2013 parece maior o empenho dos assessores que o da ministra. Sem o exemplo de cima, ficou mais difícil para os estados fazerem das conferências uma prioridade de gestão. Em Roraima, por exemplo, a conferência aconteceu mais pelo esforço pessoal de alguns funcionários do que pelo apoio oferecido por seus chefes. E esse apoio fez falta.
A conferência de Roraima modificou o regimento para dar voz a todos os participantes e não apenas aos delegados eleitos. Os contrários à modificação argumentaram que, após as conferências municipais, o debate já chegava maduro à etapa estadual e portanto só os delegados deveriam ter voz. Mas a maioria aprovou a mudança, talvez levando em conta a fraca divulgação e a curta duração do debate, de apenas uma manhã. Assim, os participantes com crachá de “ouvinte” ganharam voz, não na plenária, privilégio que ninguém teve, mas nos grupos de trabalho.
Foi sentida a ausência de alguns segmentos da sociedade civil. Não participaram organizações indígenas, pescadores e extrativistas da vasta região do Baixo Rio Branco, diversos representantes do setor patronal e, principalmente, a cooperativa dos catadores de material reciclável, que deveria ser protagonista num encontro sobre Resíduos Sólidos. Os outros segmentos da sociedade civil estavam representados, mas em volume menor que em outras ocasiões.
Os delegados do setor governamental representavam a ampla maioria, nos grupos de trabalho e na plenária. O ISA expressou sua preocupação com a representatividade por meio de carta à comissão organizadora (veja abaixo) e se retirou da conferência. Atitude semelhante foi tomada pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão federal. O ISA participou da votação do regulamento e da proposição das moções e acompanhou como observador a priorização das propostas em plenária e a eleição dos delegados. As moções podem ser lidas abaixo e as propostas estão disponíveis na página do órgão estadual de meio ambiente (veja aqui).
Divulgação fraca e confiança em baixa
A divulgação fraca e a perda gradual de confiança nos espaços de discussão podem ajudar a explicar porque o quórum ficou abaixo do esperado. Os catadores e catadoras, por exemplo, estavam ausentes, mesmo tendo sido incluídos na comissão organizadora. Neste caso, talvez o recente esforço de aproximação não tenha sido suficiente para vencer os anos de decepção com o Poder Público, que se materializam, por exemplo, na situação precária de sua cooperativa e na transformação do aterro sanitário de Boa Vista em lixão a céu aberto.
Muitas organizações ficaram de fora das conferências municipais porque não souberam ou foram avisadas de última hora. Fechando o ciclo, os organizadores da conferência estadual só fizeram a divulgação na véspera, justificando que os delegados já estavam eleitos e portanto não havia motivo para fazer mais.
Retrocesso também no debate democrático
Retrocesso também no debate democrático
Participar desta 4ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, aqui em Roraima, foi um pouco frustrante porque o momento pedia um grande debate, o que não aconteceu. Na pauta poderia estar o plano para a construção das quatro hidrelétricas do PAC, as mudanças na lei para permitir a introdução da cana-de-açúcar na Amazônia, a expansão do agronegócio sobe os campos naturais, o interesse minerário, a contaminação dos rios, a situação da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária, a dramática paralização da regularização fundiária e até o misterioso projeto “Ecoestado”, do astronauta Marcos Pontes, até agora só revelado para o governador e alguns empresários.
Mesmo que a conferência não ofereça o debate que o Brasil precisa e tenha limitações de origem que não se corrigem no meio da viagem, ela continua sendo um espaço importante para ser ocupado e mantido. As plenárias ainda podem usar seu poder para tornar a conferência mais abrangente, tratando dos resíduos sólidos e do que mais considerarem importante.
Em Roraima, os delegados contribuíram no debate sobre os resíduos sólidos. Depois, tiveram força para aprovar uma proposta sobre o controle social no licenciamento de hidrelétricas e grandes obras e outra sobre a proteção dos rios urbanos sob a ameaça de serem concretados por obras de saneamento. A tentativa de tornar a conferência mais abrangente também pode prosseguir na “conferência virtual” que acontece na internet, de 26/8 a 10/9, e também nas “conferências livres”, que podem ser convocadas até 10/9.
Mas a Conferência Nacional de Meio Ambiente é também um marco temporal, que nos ajuda a perceber mudanças ao longo do tempo. Tomando com base o ano de 2008, quando foi realizada a conferência anterior, fica claro que o retrocesso da agenda ambiental também atingiu o debate democrático.
O Brasil precisa fazer uma grande conferência de meio ambiente, a cada dois anos, para avaliar seus passos e repensar seu rumo. Infelizmente, não vai ser desta vez. A espera de cinco anos fez com os temas se acumulassem e o formato atual não permite dar vazão ao que ficou represado. Nunca o governo havia esperado tanto para fazer uma conferência e nada garante que a próxima seja realizada em intervalo menor. Se for assim, teremos de atravessar pelo menos uma década sem a luz que emana de um bom debate, nacional e democrático. Tenhamos cuidado com o que ainda nos reserva este longo ciclo de sombras.
Carta do ISA à Organização da Conferência Estadual de Meio Ambiente de Roraima
"O Instituto Socioambiental se retira da conferência por considerar que a participação da sociedade civil está abaixo do mínimo necessário para dar legitimidade à Conferência. Recomendamos uma forte autocrítica por parte dos órgãos federais, estaduais e municipais, visando a realização de conferências verdadeiramente democráticas".
Ciro Campos (Instituto Socioambiental - ISA)
Boa Vista, 14/08/2013
Boa Vista, 14/08/2013
Moções de Repúdio aprovadas da Conferência de Meio Ambiente em Roraima
1. Moção de Repúdio contra PEC 53/2009 e qualquer outra iniciativa do Congresso Nacional que tenha como objetivo retirar o ecossistema do Lavrado de Roraima do Bioma Amazônia bem como reduzir ou fragmentar o Bioma Amazônia sob a falsa justificar de aumentar a proteção ambiental ou sob qualquer outra justificativa.
2. Moção de Repúdio à Emenda Constitucional no 30, aprovada pela Assembleia Legislativa de Roraima, em 23/10/2012, sem nenhuma consulta à sociedade, que altera o art. 159 da constituição estadual para que as corredeiras do Bem Querer e a faixa de 500 metros ao longo das margens do rio Branco percam o título de “patrimônio cultural e ambiental de Roraima”.
3. Moção de repúdio contra a política energética do governo federal que pretende construir Hidrelétricas em todos os grandes rios da Amazônia, comprometendo a qualidade dos recursos hídricos, a biodiversidade e a qualidade de vidas das populações humanas. A Amazônia precisa de planos de desenvolvimento verdadeiramente sustentáveis para contribuir com o desenvolvimento nacional e não pode ser tratada como a “bateria do Brasil”.
3. Moção de repúdio contra a política energética do governo federal que pretende construir Hidrelétricas em todos os grandes rios da Amazônia, comprometendo a qualidade dos recursos hídricos, a biodiversidade e a qualidade de vidas das populações humanas. A Amazônia precisa de planos de desenvolvimento verdadeiramente sustentáveis para contribuir com o desenvolvimento nacional e não pode ser tratada como a “bateria do Brasil”.
4. Moção de Repúdio contra a apresentação em regime de urgência do Projeto de Lei 5.807/2013, o “PL da Mineração”, que pretende modificar o Código de Mineração. Um tema dessa importância, com influência direta sobre o conjunto da sociedade, não pode ser debatido e aprovado em prazo tão curto, sem que a sociedade tenha tempo para conhecer, avaliar e apresentar suas sugestões, pois no regime de urgência o PL não passa pelas comissões do congresso, e câmara e senado tem apenas 45 dias cada para debater e votar a proposta.
5. Moção de repúdio ao projeto de construção da Hidrelétrica do Bem Querer, no rio Branco, cujo reservatório ameaça a lagoa de estabilização de Boa Vista, além de todo o planejamento e execução dos Planos de Saneamento dos municípios de Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Boa Vista, Cantá e Bonfim, que segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética, serão os municípios afetados pela construção da hidrelétrica.
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