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Após quase 5 meses de tragédia, lama ainda vaza de barragem em Mariana
25/03/2016 | 08h36min
Samuel envia um vídeo a Wanderson pelo WhatsApp e diz que é "impressionante". Wanderson olha as imagens da barragem e se espanta: "Nossa, abriu o dique todo".
O vídeo ao qual os dois funcionários da mineradora Samarco se referem no diálogo poderia ter sido feito em 5 de novembro, quando o reservatório da mineradora ruiu em Mariana (MG). Mas não.
Tratava-se de um outro vazamento, mais de dois meses após o acidente, carregando rejeitos para fora da área da barragem -algo que ainda continua acontecendo.
Quase cinco meses após a ruptura da barragem de Fundão, a Samarco ainda não consegue, segundo o Ibama, evitar que o rio Doce receba lama levada pelas chuvas, apesar de ter erguido diques de contenção. A obra que deveria filtrar e devolver cristalina ao ambiente a água que verte das estruturas remanescentes não tem sido eficaz.
O material que chega aos rios Gualaxo do Norte e do Carmo -ambos deságuam no rio Doce- ainda é turvo devido à presença dos rejeitos de minério. O Ibama afirma ter notificado a mineradora 39 vezes desde a tragédia, a última em 15 de janeiro.
ESCUTAS TELEFÔNICAS
Por meses, a Samarco não teve controle da fratura em sua unidade, como revelam escutas telefônicas feitas com ordem da Justiça pela Polícia Federal, que grampeou diretores da empresa por desconfiar que eles omitiam dados na investigação sobre as responsabilidades no desastre.
A Folha obteve acesso ao relatório das transcrições.
Conversas dos dias 16 e 17 de janeiro revelam que a lama ainda se deslocava naquele mês em ondas de três metros. Blocos de pedra usados na contenção não resistiam e desciam rolando pelo terreno. As obras de reparo eram levadas pela força da lama.
"Estamos dando um passo para a frente e dois para trás", relatou o funcionário identificado como Samuel, em conversa com Wanderson Silvério Silva, coordenador de monitoramento da Samarco e alvo das escutas da polícia. Ele foi indiciado sob suspeita de crime ambiental e homicídio das 19 vítimas da ruptura.Samuel diz que não sabe o que fazer e que está preocupado. Partes de Fundão "simplesmente desmanchavam".
O sistema de bombeamento operava, mas "não dava conta", afirmou Kleber Terra, diretor de operações, também indiciado, em outra conversa no mesmo dia. Radares usados não captavam com antecedência os deslizamentos.
"Nenhum monitoramento vai pegar isso", disse Samuel. Em 16 de janeiro, devido ao alto risco de rupturas, a Samarco interrompeu obras de contenção, como mostram os grampos. No dia seguinte, a lama voltou a se movimentar.
No dia 27 do mesmo mês, outro vazamento de rejeitos obrigou a Samarco a suspender os trabalhos na barragem.
DIQUE ENCOBERTO
A empresa estudou após a tragédia a construção de quatro diques, dos quais três foram iniciados. Um deles caiu, voltou a ser erguido, mas acabou encoberto de lama. Outro, pouco antes de Bento Rodrigues, tem conseguido conter apenas parte dos rejeitos.
As obras da quarta barragem foram suspensas após a constatação de que a estrutura para ela ocuparia um local de valor histórico.
Sobre a ineficácia dos diques, um dos coordenadores de emergência ambiental do Ibama, Marcelo Amorim, diz que os cálculos da Samarco subestimaram a quantidade de lama em período chuvoso.
OUTRO LADO
A mineradora Samarco, fruto de sociedade entre a Vale e a BHP Billiton, diz que "sedimentos misturados à água da chuva, que vem sendo registrada acima da média histórica", têm sido carregados para fora da área da barragem de Fundão, em Mariana (MG).
"Para conter esse carreamento e melhorar a qualidade da água que chega aos cursos de água, a empresa construiu três diques, sendo o último entregue em fevereiro, abaixo da barragem de Santarém", afirma, em nota.
Santarém, segundo a mineradora, está "estável", com o índice de segurança acima do que determina a norma.
Às margens dos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, que deságuam no Doce, a empresa diz ter recoberto por vegetação uma área de mais de 400 hectares com gramíneas, para conter os sedimentos.
Lago de usina no rio Doce ainda com lama quase 5 meses após rompimento da barragem de Fundão
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ESCUTAS
Sobre as conversas entre funcionários interceptadas pela Polícia Federal, a Samarco não quis se pronunciar.
"A empresa reitera que segue rigorosamente o procedimento de emergência que determina ações que devem ser tomadas em caso de ocorrências diversas", diz trecho do comunicado. A Samarco afirma ainda enviar diariamente relatórios de monitoramento aos órgãos competentes.
Segundo a mineradora, a movimentação de lama em 27 de janeiro ficou restrita à área interna de Fundão.
Além do radar, a Samarco afirma usar no monitoramento cinco escâneres a laser, medidores de nível e pressão da água, drones e câmeras. "A tecnologia empregada pela Samarco é a mais moderna disponível no mercado", diz.
A mineradora afirma que cerca de 300 homens trabalham atualmente no local -as barragens estão fora de operação desde a tragédia.
Folha de São Paulo
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