Gás de xisto: Brasil começará a leiloar as suas reservas. Mas é seguro?
Torneiras em chamas, vazamento de metano e contaminação da água motivam protestos contra exploração do gás de xisto pelo mundo. Brasil começa em novembro a leiloar as suas reservas enquanto cientistas debatem se é seguro
por texto: Diogo Antonio Rodriguez | ilustração: Jonatan Sarmento
Com o isqueiro aceso, o homem aproxima a mão direita da torneira aberta e vê uma chama subir alto: a água está pegando fogo. A cena surreal aconteceu no Colorado (Estados Unidos) e está registrada na incendiária série de documentários Gasland, que acusa a indústria petrolífera de irregularidades para extrair gás de xisto. O tema virou uma grande discussão nos EUA e acaba de chegar ao Brasil. Enquanto ativistas saem às ruas de várias partes do mundo contra esse tipo de extração, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) decidiu leiloar em novembro cinco bacias para a exploração do combustível. Foi o estopim para que duas sociedades científicas, a SBPC e a ABC, pedissem a Dilma a suspensão temporária do leilão, o que o governo não cogita. O debate começa a esquentar no Brasil.
O gás de xisto é, basicamente, metano preso numa camada profunda de rochas. Para extraí-lo, as petroleiras lançam mão de um processo controverso, o fraturamento hidráulico, que usa muita água, produtos químicos e detonações subterrâneas (veja o infográfico no fim da matéria). O rápido crescimento desse tipo de exploração na última década coincide com as denúncias de ativistas, que culpam a prática por casos de contaminação de água. As queixas envolvem principalmente poluição de fontes subterrâneas por metano (o que explicaria a água pegando fogo no filme) e pelos químicos usados no processo.
Segundo levantamento feito pela agência de jornalismo Pro Publica, havia em 2008 mais de 1.000 casos de contaminação documentados por cortes judiciais e governos locais nos EUA. O último documentário da série Gasland, de abril de 2013, cita “milhares”. Num dos casos com suspeita de vazamento de gás, uma casa explodiu. Em outro, houve mortes de peixes por conta de químicos na água. Há ainda relatos de contaminação na superfície, possivelmente causada por vazamentos de substâncias trazidas por caminhões-tanque. Embora existam evidências, ainda faltam provas de que os problemas detectados perto dos poços de xisto tenham sido originados pelo fraturamento hidráulico. É aí que surge uma grande troca de acusações entre ativistas e a indústria.
O gás de xisto é, basicamente, metano preso numa camada profunda de rochas. Para extraí-lo, as petroleiras lançam mão de um processo controverso, o fraturamento hidráulico, que usa muita água, produtos químicos e detonações subterrâneas (veja o infográfico no fim da matéria). O rápido crescimento desse tipo de exploração na última década coincide com as denúncias de ativistas, que culpam a prática por casos de contaminação de água. As queixas envolvem principalmente poluição de fontes subterrâneas por metano (o que explicaria a água pegando fogo no filme) e pelos químicos usados no processo.
Segundo levantamento feito pela agência de jornalismo Pro Publica, havia em 2008 mais de 1.000 casos de contaminação documentados por cortes judiciais e governos locais nos EUA. O último documentário da série Gasland, de abril de 2013, cita “milhares”. Num dos casos com suspeita de vazamento de gás, uma casa explodiu. Em outro, houve mortes de peixes por conta de químicos na água. Há ainda relatos de contaminação na superfície, possivelmente causada por vazamentos de substâncias trazidas por caminhões-tanque. Embora existam evidências, ainda faltam provas de que os problemas detectados perto dos poços de xisto tenham sido originados pelo fraturamento hidráulico. É aí que surge uma grande troca de acusações entre ativistas e a indústria.
TEMA QUENTE: Documentário Gasland mostra casos em que a água potável de moradores chega às torneiras com metano e pega fogo. Indústria afirma que isso aconteceria mesmo sem a exploração
RISCO AMBIENTAL
Teoricamente, o metano não deveria escapar do subsolo, já que está envolvido numa espessa camada de rocha impermeável. Uma explicação para isso seriam rachaduras no revestimento dos dutos de extração que, ao transportar o gás do subsolo, deixariam vazá-lo para os aquíferos. “A indústria diz que a contaminação não aconteceu por causa do fraturamento, mas por problemas no cimento”, afirma Amy Mall, do Conselho Nacional de Defesa dos Recursos Naturais, uma das organizações que advoga contra a exploração de xisto.
Outro dos problemas estaria na mistura de água, areia e químicos injetada no subsolo durante o processo de extração. Muitos desses químicos são segredos industriais, e não se sabe o risco que apresentam se contaminarem poços de água. Em um relatório de 2009, o toxicologista Glenn Miller, da Universidade de Nevada, afirmou que existem substâncias causadoras de câncer nessa mistura, como benzeno e acrilamida. “Estamos lutando contra os segredos desses químicos. Existe uma lista com mais de 300 [substâncias] e algumas são muito tóxicas, mesmo diluídas em água”, diz Amy Mall.
As denúncias têm repercutido mundo afora. O estado de Nova York impôs uma moratória ao xisto, o presidente da França já declarou que não permitirá a extração no país e Holanda e Bulgária, pressionadas pela opinião pública, proibiram a exploração do gás. Além dos EUA, manifestações contra o fraturamento hidráulico também ocorreram recentemente no Canadá, Inglaterra, Tunísia, Argentina e Romênia. Em Balcombe, no sul inglês, moradores em protesto conseguiram paralisar as atividades de extração.
Outro dos problemas estaria na mistura de água, areia e químicos injetada no subsolo durante o processo de extração. Muitos desses químicos são segredos industriais, e não se sabe o risco que apresentam se contaminarem poços de água. Em um relatório de 2009, o toxicologista Glenn Miller, da Universidade de Nevada, afirmou que existem substâncias causadoras de câncer nessa mistura, como benzeno e acrilamida. “Estamos lutando contra os segredos desses químicos. Existe uma lista com mais de 300 [substâncias] e algumas são muito tóxicas, mesmo diluídas em água”, diz Amy Mall.
As denúncias têm repercutido mundo afora. O estado de Nova York impôs uma moratória ao xisto, o presidente da França já declarou que não permitirá a extração no país e Holanda e Bulgária, pressionadas pela opinião pública, proibiram a exploração do gás. Além dos EUA, manifestações contra o fraturamento hidráulico também ocorreram recentemente no Canadá, Inglaterra, Tunísia, Argentina e Romênia. Em Balcombe, no sul inglês, moradores em protesto conseguiram paralisar as atividades de extração.
BOOM ECONÔMICO
Mesmo cercada de questões ambientais, a exploração cresce vertiginosamente nos Estados Unidos, onde está a 4ª maior reserva do mundo (veja abaixo quais são as outras). Na última década o combustível de xisto passou de 1% a 30% da produção de gás do país e tem sido apontado como a salvação da economia americana depois da crise de 2008. “É o combustível mais barato que temos. Um dos mais eficientes, com uma pequena pegada de poluição, que custa um terço do que custa petróleo e carvão. É um bom negócio”, afirma Charles R. Morris, autor do livro Comeback: America's New Economic Boom (“Volta por cima: o Novo Boom Econômico dos EUA”, sem previsão de lançamento no Brasil).
Além de ser uma oportunidade do país se tornar autossuficiente em energia — ou, ao menos, depender menos da bagunça política do Oriente Médio —, há ainda o argumento de gerar empregos em tempos difíceis. A Câmara de comércio dos EUA estima que o xisto tenha gerado 1,7 milhão de postos de trabalho nos últimos anos.
No entanto, mais do que listar os benefícios econômicos da extração de gás de xisto, os produtores também contestam os riscos apresentados pelos ativistas. “Há muitos erros [nos documentários] Gasland e Gasland II. Alguns eram de se esperar de alguém que não apoia a indústria do petróleo e gás. Mas há coisas comprovadamente falsas”, diz Steve Everley, porta-voz do Energy in Depth, grupo de propaganda da Associação Independente do Petróleo dos EUA. Everley critica, por exemplo, a icônica cena da torneira que pega fogo: “Antes do filme sair, funcionários do órgão regulador do Colorado investigaram esse caso e determinaram que ele não tinha relação com atividades de gás e petróleo. O metano ocorria naturalmente. Isso acontece há centenas de anos nos EUA”, afirma. Everley acusa o diretor dos documentários, Josh Fox, de ter se recusado a mostrar esse outro lado. Fox não respondeu à solicitação de entrevista da reportagem.
Além de ser uma oportunidade do país se tornar autossuficiente em energia — ou, ao menos, depender menos da bagunça política do Oriente Médio —, há ainda o argumento de gerar empregos em tempos difíceis. A Câmara de comércio dos EUA estima que o xisto tenha gerado 1,7 milhão de postos de trabalho nos últimos anos.
No entanto, mais do que listar os benefícios econômicos da extração de gás de xisto, os produtores também contestam os riscos apresentados pelos ativistas. “Há muitos erros [nos documentários] Gasland e Gasland II. Alguns eram de se esperar de alguém que não apoia a indústria do petróleo e gás. Mas há coisas comprovadamente falsas”, diz Steve Everley, porta-voz do Energy in Depth, grupo de propaganda da Associação Independente do Petróleo dos EUA. Everley critica, por exemplo, a icônica cena da torneira que pega fogo: “Antes do filme sair, funcionários do órgão regulador do Colorado investigaram esse caso e determinaram que ele não tinha relação com atividades de gás e petróleo. O metano ocorria naturalmente. Isso acontece há centenas de anos nos EUA”, afirma. Everley acusa o diretor dos documentários, Josh Fox, de ter se recusado a mostrar esse outro lado. Fox não respondeu à solicitação de entrevista da reportagem.
FALTAM PESQUISAS
Os cientistas que se dedicam à questão não têm resposta definitiva sobre a segurança do processo. Um deles, o engenheiro químico e Ph.D. em ecologia Robert B. Jackson, é citado tanto pelos que defendem o fraturamento hidráulico quanto pelos que atacam. Após ter participado de três estudos avaliando poços de xisto, o professor da Universidade de Duke concluiu que as fraturas realmente estão causando a migração do metano para a água. “A explicação mais simples é a má integridade dos poços. Se o poço não foi cimentado de maneira apropriada, os químicos podem vazar para a água potável que chega à superfície”, diz Jackson. Um de seus estudos, publicado no respeitado Proceedings of The National Academy of Sciences, diz que há na Pensilvânia pessoas vivendo perto de poços de xisto que “contaminam água potável com gases que escapam”.
As mesmas pesquisas de Jackson, porém, não encontraram na água químicos usados no fraturamento. “Fiscais, cientistas, todos disseram que não há como os fluidos contaminarem a água. Isso acontece a milhares de metros abaixo do aquífero sob as camadas impermeáveis que mantiveram o óleo e o gás ali por milhões de anos”, diz Everley, da agência de lobby da indústria.
Em 2004, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) declarou que o procedimento de fraturamento hidráulico era seguro, mas, depois disso, agências governamentais (incluindo a própria EPA) reconheceram casos onde houve contaminação de água “provavelmente” causada pela prática. Após o tema ter sido discutido no Congresso, a EPA começou a conduzir um estudo mais amplo, de US$ 1,9 milhão, para se aprofundar no assunto. Em 2013, no entanto, as pesquisas foram transferidas à esfera estadual.
Boa parte dos argumentos dos ativistas está exatamente na falta de pesquisas sobre a segurança na extração. É o mesmo que preocupa agora cientistas brasileiros. “Essas reservas [no Brasil] estão junto a aquíferos importantes, como o Aquífero Recôncavo e o Aquífero Guarani. É preciso uma boa avaliação que garanta o uso adequado de água e sem que haja a contaminação”, diz o pós-doutor em química Jailson Bittencourt de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O pesquisador estima que seriam necessários cinco anos para fazer os estudos adequados: “Nós não temos no Brasil um poço com as características de fracking [fraturamento] que possa ser usado como modelo”. Por isso, em agosto, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências enviaram uma carta aberta à presidente Dilma pedindo uma moratória do leilão até que seja possível fazer todas as análises.
A ANP se recusa a comentar o processo antes do leilão. Uma fonte dentro do Ministério de Minas e Energia consultada por GALILEU afirma que a avaliação do governo é de que não há risco de contaminação de aquíferos e que, portanto, “não existe nada que justifique o adiamento”. Andrade discorda: “É preciso todo um estudo geológico das formações que ocorrem aqui. Essa questão é crucial para saber o potencial dessas reservas, até o momento elas são estimadas”. A discussão já está acesa no país. Se teremos contaminações e torneiras flamejantes, só o tempo — e mais estudos — poderão dizer.
As mesmas pesquisas de Jackson, porém, não encontraram na água químicos usados no fraturamento. “Fiscais, cientistas, todos disseram que não há como os fluidos contaminarem a água. Isso acontece a milhares de metros abaixo do aquífero sob as camadas impermeáveis que mantiveram o óleo e o gás ali por milhões de anos”, diz Everley, da agência de lobby da indústria.
Em 2004, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) declarou que o procedimento de fraturamento hidráulico era seguro, mas, depois disso, agências governamentais (incluindo a própria EPA) reconheceram casos onde houve contaminação de água “provavelmente” causada pela prática. Após o tema ter sido discutido no Congresso, a EPA começou a conduzir um estudo mais amplo, de US$ 1,9 milhão, para se aprofundar no assunto. Em 2013, no entanto, as pesquisas foram transferidas à esfera estadual.
Boa parte dos argumentos dos ativistas está exatamente na falta de pesquisas sobre a segurança na extração. É o mesmo que preocupa agora cientistas brasileiros. “Essas reservas [no Brasil] estão junto a aquíferos importantes, como o Aquífero Recôncavo e o Aquífero Guarani. É preciso uma boa avaliação que garanta o uso adequado de água e sem que haja a contaminação”, diz o pós-doutor em química Jailson Bittencourt de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O pesquisador estima que seriam necessários cinco anos para fazer os estudos adequados: “Nós não temos no Brasil um poço com as características de fracking [fraturamento] que possa ser usado como modelo”. Por isso, em agosto, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências enviaram uma carta aberta à presidente Dilma pedindo uma moratória do leilão até que seja possível fazer todas as análises.
A ANP se recusa a comentar o processo antes do leilão. Uma fonte dentro do Ministério de Minas e Energia consultada por GALILEU afirma que a avaliação do governo é de que não há risco de contaminação de aquíferos e que, portanto, “não existe nada que justifique o adiamento”. Andrade discorda: “É preciso todo um estudo geológico das formações que ocorrem aqui. Essa questão é crucial para saber o potencial dessas reservas, até o momento elas são estimadas”. A discussão já está acesa no país. Se teremos contaminações e torneiras flamejantes, só o tempo — e mais estudos — poderão dizer.
AS 10 MAIORES RESERVAS DE XISTO NO MUNDO
(em trilhões de metros cúbicos)
clique aqui para ampliar |
Temas relacionados
Nenhum comentário:
Postar um comentário