Aldemir Bendine durante coletiva de imprensa em janeiro deste ano no Rio de Janeiro, quando ocupava a presidência da Petrobrás




















Preso ontem pela Operação Lava Jato, o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil (BB) Aldemir Bendine pode se tornar o foco de uma nova frente de investigação, tamanho seu grau de intimidade com os governos petistas e tantas são suas ligações no meio empresarial, em especial com o delator Joesley Batista.

Bendine foi preso sob acusação de ter recebido R$ 3 milhões em propinas da Odebrecht, por intermédio de um operador. Os procuradores afirmam que o dinheiro foi exigido em 6 de fevereiro de 2015, às vésperas de sua nomeação para a Petrobras, para que atuasse na nova posição em defesa dos interesses da Odebrecht. Na ocasião, Marcelo Odebrecht ainda não havia sido preso.

Bendine também é acusado de, em 2014, ter exigido R$ 17 milhões para determinar a rolagem uma dívida da Odebrecht Agro com o BB. Em sua delação, Marcelo Odebrecht afirmou não ter atendido ao pedido na época. Só em 2015, diante da nova investida, diz que cedeu e ordenou o pagamento, identificado nas planilhas da Odebrecht como Cobra.

Sem negar as acusações, o advogado de Bendine, Pierpaolo Bottini, emitiu nota criticando a prisão provisória. “Desde o início das investigações, Bendine se colocou à disposição para esclarecer os fatos e juntou seus dados fiscais e bancários ao inquérito, demonstrando a licitude de suas atividades”, diz a nota. “A cautelar é desnecessária por se tratar de alguém que manifestou sua disposição de depor e colaborar com a Justiça.” Os advogados pediram ao juiz Sérgio Moro a libertação de Bendine.

Seria espantoso que Moro atendesse ao pedido. As acusações derivadas da delação da Odebrecht são apenas uma entre dezenas de histórias que envolvem o nome de Bendine, personagem cuja ascensão no BB está ligada aos governos do PT e que desfrutou a confiança plena dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Bendine, conhecido entre os amigos pelo apelido Dida, entrou como menor aprendiz no BB aos 14 anos. Fez uma carreira relativamente normal até 2006, quando foi ocupar a gerência de cartões de crédito em Brasília. Aproximou-se então de personagens próximos de Lula, como o consultor Antoninho Marmo Trevisan e o ex-ministro Gilberto Carvalho, que costumava levar a jogos do Palmeiras, time de ambos.

Em São Paulo, Dida se beneficiava da proximidade do escritório da Presidência da República, situado no 3º andar do prédio do BB na avenida Paulista. Lá também ficou próximo da secretária especial da Presidência, Rosemary Noronha – anos depois acusada num esquema de venda de pareceres técnicos e tráfico de influência.

As novas amizades garantiram a Bendine uma ascensão fulminante no BB. Em 2007, sem passar por nenhum cargo de diretoria, foi alçado à vice-presidência de cartões e varejo. Dois anos depois, em abril de 2009, foi nomeado presidente do banco – mesmo sendo considerado o menos brilhante do grupo de executivos beneficados pela vitória do PT.

Pertenciam a esse grupo, Ricardo Oliveira (antes vinculado ao operador tucano Ricardo Sérgio, ele caiu nas graças de Carvalho quando ocupou um posto na Febraban, depois o apresentou a Bendine), Paulo Caffarelli (atual presidente do BB), Alexandre Abreu (ex-presidente do BB), Ricardo Flores (ex-presidente da Previ) e Allan Toledo (exonerado da vice-presidência internacional após um escândalo em 2012).

Com exceção de Abreu, todos se tornaram desafetos de Bendine ao longo dos anos, em especial Oliveira. A disputa renhida de poder no BB é uma das mais fascinantes histórias do mundo de negócios do Brasil recente. Bendine foi se livrando de seus antigos aliados um a um. Quando foi nomeado para a Petrobras, conseguiu fazer seu sucessor: Abreu, o único que restara do grupo.

O conflito começou já em 2010, numa disputa com Flores cujo estopim foi a sucessão do presidente da Vale, Roger Agnelli. Bendine almejava o cargo de Agnelli. Para isso, obteve, com apoio do então ministro Guido Mantega, a nomeação de Flores para a presidência da Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB e acionista da Vale.

Flores ficou descontente, provavelmente por ser tirado da linha sucessória no próprio BB. Uma vez no cargo na Previ, aliou-se ao Bradesco, outro acionista da Vale, para contratar uma empresa de headhunting na sucessão de Agnelli. Para Bendine, foi uma traição. Ele perdeu aquele round, e Murilo Ferreira foi o escolhido para o lugar de Agnelli.

Mas Bendine não desistiria da Vale. Em sua delação premiada, o empresário Joesley Batista afirmou ter defendido o nome de Bendine para o cargo já na sucessão de Ferreira, ocorrida este ano. Para isso, de acordo com executivos familiarizados com a história, Joesley pleiteou até o apoio do senador Aécio Neves.

Depois da disputa com Flores, Bendine exonerou Toledo, apresentado como integrante de uma conspiração para derrubá-lo. Em seguida, foi a vez de Oliveira, tido como o fomentador da cizânia no banco. Ao mesmo tempo, numa tentativa de pacificação promovida pelo Planalto, Flores foi tirado da Previ. Enquanto lutava pela manutenção do poder, Bendine conquistava a confiança de Dilma e Mantega, ao implantar a política de juros baixos defendida pelo governo.

Paralelamente, promovia uma limpeza de sindicalistas do PT, em especial ligados a Henrique Pizzolato , Ricardo Berzoini e Luiz Gushiken. Transmitia com isso uma imagem de combate ao aparelhamento e de seriedade. As primeiras rachaduras nessa imagem começaram a surgir em 2013, quando a revista Época revelou, numa nota de apenas uma linha, que Bendine costumava visitar o Instituto Lula toda sexta-feira.

A reação desproporcional do Planalto à nota denotava que a então presidente Dilma desconhecia a força do elo de Bendine com seu antigo chefe. Em 2014, começaram a vir à tona histórias que Bendine tenta explicar até hoje. Uma série de reportagens da Folha de S.Paulo revelou que:

1) Bendine aceitara pagar uma multa de R$ 122 mil à Receita Federal por não conseguir justificar patrimônio a descoberto em sua declaração de imposto de renda de 2010. Ele alegou que cometera um erro de preenchimento, ao não dar baixa no valor de R$ 200 mil que mantinha em espécie e fora usado para comprar um apartamento. Mas por que alguém guarda dinheiro em casa em vez de depositá-lo no banco que preside?

2) O BB driblara regras internas para autorizar um empréstimo de uma linha subsidiada do BNDES, no valor de R$ 2,7 milhões, a uma empresa da apresentadora de TV e socialite Val Marchiori. Val fora apresentada a Bendine por Marina Mantega, filha de Guido. Aproximou-se a ponto de ser foi vista duas vezes ao lado de Bendine em missões do banco, uma na Argentina (por ocasião da compra do Banco da Patagonia), a outra no Rio de Janeiro (em evento no hotel Copacabana Palace). Bendine negou qualquer envolvimento na concessão do empréstimo. Parte do dinheiro, destinado à aquisição de caminhões, foi usado por Val para comprar um Porsche Cayenne.

3) O ex-motorista de Bendine Sebastião Ferreira da Silva, o Ferreirinha, relatou quatro episódios em que afirma ter feito pagamentos ou transportado dinheiro vivo a pedido de Bendine. Num deles, diz ter visto que uma sacola que Bendine pusera no banco de trás do carro – fumante, ele sempre andava no do carona – estava recheada de notas de R$ 100. Bendine negou ter pedido qualquer coisa ao motorista e afirmou que ele apenas tentava se vingar por ter sido demitido. Ferreirinha fora apresentado a Bendine por Gilberto Carvalho, para quem dirigira durante anos. O Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar as acusações.

No final de 2014, a Big Frango, empresa do ex de Val Marchiori, foi vendida por R$ 430 milhões ao grupo J&F, de Joesley Batista, depois de anos sem conseguir sanear suas dívidas. Em sua delação premiada, o irmão de Joesley, Wesley, afirmou que o negócio lhes havia chegado por intermédio do doleiro Lúcio Funaro. De acordo com Wesley, Funaro recebeu R$ 11 milhões como pagamento de dívidas da Big Frango com ele, mas não houve nenhuma propina ou irregularidade na transação.

O BB sempre foi generoso com as empresas do setor agropecuário, não apenas com a Odebrecht Agro. Tanto Big Frango quanto JBS obtiveram aumentos substanciais em suas linhas de crédito durante a gestão Bendine. As dívidas do grupo J&F com o BB somam hoje algo como R$ 4,5 bilhões, de acordo com relatos internos.

As ligações entre Bendine e Joesley, entre Bendine e Mantega, entre Bendine e Dilma, entre Bendine e Lula, entre Bendine e o PT são um prato suculento para o juiz Sérgio Moro. Uma eventual delação dele poderá desatar os torniquetes de quem se preparava para estancar a sangria da Lava Jato.