Ministro Henrique Neves


Prestes a deixar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após oito anos, o ministro Henrique Neves acredita que o país precisa endurecer o acompanhamento dos partidos após eles serem criados.

Na avaliação do ministro, a legislação eleitoral é muito exigente na criação das legendas, mas, depois, não acompanha o desempenho das agremiações nem a representatividade dos partidos na sociedade, mesmo com o recebimento anual de dinheiro público.

"Não há na legislação brasileira qualquer forma de aferição da continuidade do importante trabalho prestado pelos partidos políticos", afirmou o ministro ao Blog.

Para se criar um partido, é necessário obter apoio de eleitores em número que ultrapasse meio por cento dos votos dados na última eleição, distribuídos em ao menos nove estados.

Após a criação do partido, lembra o magistrado, cada legenda recebe cerca de R$ 1,2 milhão por ano, independentemente de ter obtido votos nas eleições anteriores ou de ter um número mínimo de filiados.

"No que tange ao recebimento de recursos públicos e garantia de acesso ao rádio e televisão, entendo que cabe distinguir quem efetivamente está funcionando para defender o interesse de uma parte minimamente significante da sociedade e quem traduz apenas pequenos aglomerados ou organizações particulares, quase familiares", diz Henrique Neves.

Mesmo defendendo o controle da representatividade dos partidos, o ministro do TSE acredita que a criação de partidos deve ser livre. "Não vejo problemas no número de partidos existentes, que é inferior a quantidade verificada em vários países".

Ainda assim, o magistrado defende que seja editado um novo código para regular toda a matéria eleitoral, e uma nova fórmula de fiscalização do financiamento das eleições, como a divulgação instantânea na internet. O código atual é de 1965.

"O fundamental é que ele seja transparente e que o eleitor possa, em tempo real, acompanhar as finanças das campanhas para saber quem está contribuindo para o candidato ou o partido e como os recursos públicos estão sendo gastos", defende.

Henrique Neves deixa a corte neste mês e, após novos prazos concedidos, não participará do julgamento da chapa Dilma-Temer. "Assistirei ao julgamento pela televisão".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Blog - Qual o principal problema da atual legislação eleitoral brasileira?
Henrique Neves - A maior dificuldade da legislação eleitoral atual decorre das múltiplas leis que são, a cada dois anos, alteradas. Nosso Código Eleitoral é de 1965. A Lei Geral das Eleições é de 1997 e já foi alterada 11 vezes, para regular dez eleições. A legislação partidária, idem. A lei de inelegibilidades também sofreu mudanças substanciais. A própria Constituição já sofreu várias alterações em matéria eleitoral, além das decisões do Supremo Tribunal Federal que interpretaram os dispositivos constitucionais. O ideal seria editar um novo Código Eleitoral, para regular toda a matéria em uma única lei.

Blog - Quais as exigências para um partido político se manter como uma legenda por anos no Brasil, após sua criação?
Henrique Neves - A legislação eleitoral prevê exigências apenas no momento da formação do partido político, quando é necessário obter apoio de eleitores em número que ultrapasse meio por cento dos votos dados na última eleição, distribuído em ao menos um terço dos estados. Obtido o registro do partido, o TSE não exige mais nada, a não ser a prestação de contas dos recursos públicos recebidos pelo partido político. Não há, na legislação brasileira, qualquer forma de aferição da continuidade do importante trabalho prestado pelos partidos políticos. De checar se ele continua a representar a sociedade. Partido é parte da sociedade. Que parte é essa que está sendo representada?

Blog - Um partido continua a receber dinheiro público mesmo sem ter representatividade, mesmo sem ter um candidato competitivo.
Henrique Neves - Sim, o Fundo Partidário é dividido entre os partidos. 95% é dividido de acordo com o número de votos obtidos pelo partido na última eleição para a Câmara dos Deputados. 5% é dividido igualitariamente entre todos os partidos. Isso significa, atualmente, que cerca de 43 milhões de reais são divididos entre os 35 partidos atualmente registrados. Cada um receba cerca de R$ 1,2 milhão por ano, independentemente ter obtido votos nas eleições passadas, ter um número mínimo de filiados ou realizar atos para defesa dos interesses da parcela da sociedade que seria representada pelo partido.

Blog - O que senhor defende como controle das atuais anomalias? Uma clausula de barreira?
Henrique Neves - A criação de partidos deve ser livre. Não vejo problemas no número de partidos existentes, que é inferior a quantidade verificada em vários países. O problema sempre lembrado pelo comprometimento da governabilidade não decorre do número de partidos, mas sim do número de partidos que conseguem eleger candidatos. Ou seja, o problema não é gerado pela quantidade de agremiações, mas pela fórmula de cálculo do resultado das eleições. A cláusula de barreira e o fim das coligações, com certeza, serviria para reduzir o número de partidos com representação no legislativo. É necessário, porém, dosar a sua aplicação para evitar que a restrição não seja utilizada para privilegiar um número muito pequeno ou um único partido. Por outro lado, no que tange ao recebimento de recursos públicos e garantia de acesso ao rádio e televisão, entendo que cabe distinguir quem efetivamente está funcionando para defender o interesse de uma parte minimamente significante da sociedade e quem traduz apenas pequenos aglomerados ou organizações particulares, quase familiares. Todos devem ser ouvidos e ter capacidade de influenciar na tomada das decisões, inclusive lançando candidatos. Mas, o apoio estatal, mediante a entrega de recursos públicos e tempo de rádio e televisão, deveria ser condicionado a um número mínimo de filiados somado ao número de votos obtidos em sucessivas eleições.

Blog - Como o senhor avalia atual financiamento partidário e como ele pode ser melhorado?
Henrique Neves - Em relação ao financiamento, que tem sido muito discutido, é necessário achar uma nova fórmula. Porém, quando dinheiro será necessário e de onde ele virá somente pode ser definido a partir da escolha do sistema eleitoral. A lista fechada em pequenas circunscrições exige muito menos dinheiro do que a lista aberta em grandes territórios. Então, antes de decidir como será o financiamento, é necessário deliberar a forma de realização das eleições. Seja qual for o modelo de financiamento escolhido, a partir dessa definição, o fundamental é que ele seja transparente e que o eleitor possa, em tempo real, acompanhar as finanças das campanhas para saber quem está contribuindo para o candidato ou o partido e como os recursos públicos estão sendo gastos. A prestação de contas com divulgação instantânea na internet durante a campanha eleitoral parece-me um grande objetivo a ser alcançado.

Blog - Surge no horizonte a possibilidade de uma reforma política. O que deve ser essencial na reforma?
Henrique Neves - O essencial em qualquer reforma ou definição de sistema eleitoral é que o modelo seja de fácil compreensão, atenda os interesses dos eleitores e traga a maior transparência possível. Quanto mais simples for o sistema, melhor será a sua aceitação. A clareza na definição pressupõe que o eleitor saiba exatamente se o seu voto valerá para eleger os representantes de um partido ou se será contado apenas individualmente em favor do candidato. No sistema atual, muitas vezes isso não é percebido. O voto dado pelo eleitor pode servir para eleger a pessoa de sua preferência, mas também contribui para a eleição de outras pessoas, de outros partidos que fazem parte da coligação e, se não for suficiente para a escolha pessoal do eleitor, da mesma forma será contado para eleger outros.

Blog - O que esperar do julgamento da chapa Dilma-Temer?
Henrique Neves - Não me cabe responder essa pergunta. Assistirei ao julgamento pela televisão e até por respeito não devo fazer prognósticos, críticas ou elogios. O meu entendimento pessoal não importa. O tribunal é um colegiado e o resultado do julgamento será obtido pela soma dos votos daqueles que participarem, como normalmente ocorre.