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Porto Alegre .
Rio Grande do Sul Brasil .
15/05/2017 07:54 horas .
Fonte de informação
G1 globo.com
ÉPOCA NEGÓCIO
Bilionários do setor
de tecnologia embarcam
no movimento da renda
básica universal
Entenda por que o Vale do Silício
está tão interessado no tema
está tão interessado no tema
20/07/2017 - 08H31 - ATUALIZADA ÀS 08H53 - POR DUBES SÔNEGO E EDSON CALDAS
O tradicional discurso de formatura da universidade Harvard teve um teor político incomum este ano. Convidado a falar de suas experiências e valores aos graduandos de uma das mais importantes universidades de negócios do mundo, o bilionário Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, deixou de lado as fronteiras da tecnologia, das redes sociais e do empreendedorismo digital. Escolheu como tema central “a criação de propósito”. E defendeu como caminho uma alternativa ainda polêmica, mas que vem ganhando espaço no mundo: a de que os Estados garantam uma renda mínima a seus cidadãos, independentemente de classe socioeconômica, para que eles deem conta de despesas básicas como alimentação, moradia e saúde. Sim, aqui no Brasil a gente já ouviu um bocado sobre isso, assunto preferido e projeto de vida do ex-senador Eduardo Suplicy, do PT. Virou até folclore, mas, na prática, não saiu do papel: seu projeto de Renda Básica de Cidadania, transformado em lei em 2004, nunca foi regulamentado. Zuckerberg ainda não conversou com Suplicy, mas, na formatura de Harvard, já falou como ele: “Chegou a hora de nossa geração definir um novo contrato social. Deveríamos explorar ideias como a da renda básica universal para garantir que todos tenham segurança para testar novas ideias”.
A proposta de inclinação socialista na boca de um dos homens mais ricos do mundo pode soar estranha. Mas Zuckerberg não é doido, nem está sozinho. Ele faz parte de um grupo de lideranças do Vale do Silício que vêm ampliando a visibilidade de um movimento internacional em favor da renda básica universal, organizado em rede desde meados dos anos 80. Elon Musk, fundador da Tesla, a montadora de carros elétricos que recentemente ultrapassou a Ford em valor de mercado, declarou em fevereiro que o modelo é possivelmente a melhor solução para lidar com a crescente abundância de bens e a escassez de empregos geradas pelas novas tecnologias. Albert Wenger, sócio da Union Square Ventures, empresa de capital de risco com aplicações em companhias como Duolingo, SoundCloud e Kickstarter, escreveu um livro em que defende a ideia, chamado World After Capital (“Mundo pós-capital”, em uma tradução livre). E Sam Altman, presidente da Y Combinator, investidora de estrelas da nova economia como Airbnb, Reddit e Dropbox, não só é favorável ao modelo como está bancando, por meio da companhia que dirige, um experimento do tipo em Oakland, na Califórnia – o projeto começou este ano distribuindo entre US$ 1 mil e US$ 2 mil mensais a cem participantes, e deve crescer para mil participantes nos próximos meses.
O tema é antigo e tem atraído pensadores à direita e à esquerda do espectro político. Formas de renda básica universal são discutidas ao menos desde a Antiguidade. Entre seus defensores ao longo da história estão nomes como o do matemático e ativista político Antoine Caritat, marquês de Condorcet; o político britânico Thomas Paine, um dos signatários da independência dos Estados Unidos; e o pensador John Stuart Mill, autor de Princípios da Economia Política. Em décadas recentes, a ideia atraiu a atenção de economistas liberais como Milton Friedman e Paul Krugman. E por muito pouco não foi implantada pelo governo americano, na década de 70, sob o governo Nixon – com o escândalo de Watergate e a renúncia do presidente, o projeto acabou enterrado. Para muitos liberais, o modelo é atraente por abrir a possibilidade de simplificação dos sistemas de seguridade social e eliminar a burocracia relacionada a eles. Para a esquerda, é uma forma de reduzir desigualdades sociais geradas pelo capitalismo.
UM MUNDO SEM EMPREGO
Mas existe um motivo bem mais inquietante pelo qual o tema se tornou recorrente nas declarações públicas dos bilionários do Vale do Silício. Com novos avanços da tecnologia, incluindo a Inteligência Artificial, são grandes as chances de que muitos postos de trabalho deixem de existir nos próprios anos. E não somente trabalhos de baixa qualificação, como dirigir um táxi. Estudo recente da consultoria McKinsey indica que 45% das atividades hoje remuneradas podem ser automatizadas com tecnologias já demonstradas. Na lista estão trabalhos feitos atualmente por executivos de finanças, médicos e CEOs. Só nos Estados Unidos, essas atividades rendem atualmente cerca de US$ 2 trilhões anuais em salários.
O estudo foi feito lá fora. Mas trata-se de uma realidade cada vez mais presente também no Brasil. Por aqui, há exemplos, como o da EDP, que ilustram a velocidade das transformações em curso. A companhia de energia de origem portuguesa já tem mapeados mais de 190 processos em sua operação no país que pretende robotizar nos próximos três anos. A promessa é a de que os funcionários que antes se dedicavam às tarefas automatizadas sejam realocados ou assumam funções estratégicas. Mas Miguel Setas, presidente da EDP no Brasil, admite que haverá dispensas.
Há no mundo uma intensa controvérsia sobre os efeitos da tecnologia na redução dos postos de trabalho. Uma corrente defende que para cada tarefa extinta surgem outras novas. As novas atividades, contudo, exigirão requalificação técnica, e muitas pessoas que não forem capazes de se adaptar ficarão sem emprego. Basta lembrar os estragos causados pelos luddistas na primeira Revolução Industrial ou, mais recentemente, os protestos de taxistas contra o Uber para imaginar o potencial de confusão que vem por aí. Ter uma renda básica impediria que essa parcela da população ficasse desamparada e pudesse se requalificar ou empreender. Também garantiria a manutenção de um mercado consumidor amplo para dar vazão ao aumento da produtividade. E neutralizaria efeitos sociais negativos das inovações, reduzindo o potencial de críticas aos seus principais beneficiários, as companhias de tecnologia.
Para Martin Ford, futurologista e autor do best-seller Rise of the Robots: Technology and the Threat of a Jobless Future (“Ascenção dos robôs: Tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego”), essa revolução das máquinas não é um cenário tão distante. Algo entre 15 e 20 anos. “Pode ser até mais cedo do que isso. Qualquer tipo de trabalho que seja repetitivo e previsível será automatizado. Pessoas com um nível de escolaridade menor são as que estão em maior perigo. Mas cada vez mais pessoas formadas serão impactadas também”, diz Ford. “A questão é: o que você vai fazer, então? Muitas pessoas estão percebendo que algum tipo de renda básica universal seja a melhor solução. E claro, você ouve isso de executivos do Vale do Silício porque são muito próximos da tecnologia e estão vendo o que está acontecendo. Estão preocupados, por isso estão dando atenção ao assunto.”
EMPIRISMO SOCIAL
Em meio ao crescente debate, uma série de projetos de renda básica universal vêm sendo estudados e anunciados ao redor do mundo nos últimos anos. Na Suíça, uma proposta de adoção em escala nacional chegou a ir a consulta popular – onde foi rejeitada, em meados de 2016. Países como Holanda, Finlândia, Quênia e Canadá têm projetos em fase inicial de adoção. Cidades da Escócia e da Espanha discutem a ideia. Mas ainda há um longo caminho pela frente até que iniciativas do gênero sejam adotadas em escala nacional – se é que um dia serão. O número de pessoas contrárias à renda mínima universal ainda é muito maior que o de seus defensores – na Suíça, por exemplo, a ideia foi rejeitada por 77% dos eleitores.
Entre os motivos para isso estão principalmente questões de ordem moral e financeira, além da percepção de que exigiria mudanças culturais e políticas tão grandes que é simplesmente impossível que venha a ser adotada. Segundo os críticos morais, a entrega de dinheiro de forma regular e sem contrapartidas pode ter efeitos psicológicos nocivos sobre a população, como o desinteresse pela busca de trabalho e – dá para acreditar? – incentivo ao vício em drogas. A forma de financiamento, em um momento em que muitos países estão afogados em déficits fiscais, é outra preocupação.
Muitas questões permanecem de fato em aberto. O valor ideal dos pagamentos, a melhor forma de entrega do dinheiro e os efeitos macroeconômicos da adoção em larga escala da renda básica universal são pontos a serem discutidos, admitem seus defensores. Para eles, porém, a dificuldade de adoção é tão grande quanto a enfrentada no passado por ideias consideradas utópicas, como o fim da escravidão, a democracia e os direitos civis. E já há bons indícios de que os receios no campo moral sejam infundados. Um estudo assinado por Ioana Marinescu, professora assistente da Escola Harris de Políticas Públicas da Universidade de Chicago, por exemplo, mostrou que no Alasca, onde funciona o mais amplo e antigo projeto de renda básica universal do mundo, o abandono do trabalho foi irrelevante. Em contrapartida, houve redução no número de internações hospitalares e aumento do consumo e dos níveis de escolaridade da população.
O estudante americano Kevin Simmons, de 23 anos, é um exemplo dos efeitos do programa. Ainda bebê, mudou-se do estado de Washington com a família para o Alasca. Durante toda a vida, cerca de US$ 1,2 mil eram depositados anualmente na sua conta bancária sem que ele precisasse fazer nada. Quando terminou o ensino médio, usou o dinheiro para ajudar a pagar a faculdade. Hoje, cursa design de produto em Los Angeles. Simmons conta que muitas famílias não têm as mesmas condições que a dele e usam o dinheiro que recebem para contribuir no pagamento das contas de casa. Mas que nunca chegou a ver alguém depender exclusivamente dos recursos que vêm do fundo, criado em 1976 pelo governo com royalties do petróleo – o programa de renda básica, porém, só começaria a funcionar em 1982. O Alasca, coincidência ou não, é o estado menos desigual dos Estados Unidos.
Na África, outro experimento iniciado no ano passado tem mostrado resultados igualmente positivos, ainda que sobre aspectos diferentes. Ele foi criado para avaliar o impacto da renda mínima sobre a vida de populações inteiras no longo prazo. A ONG americana GiveDirectly, queridinha no Vale do Silício, recebe doações ao redor do mundo e, como o nome bem diz, dá diretamente aos moradores de vilarejos rurais pobres no Quênia – tão pobres que, em alguns deles, comer em público, “ostentar” a comida, é considerado falta de educação. Os pagamentos em dinheiro começaram a chegar a um vilarejo piloto em outubro do ano passado e têm sido usados pelos beneficiários para a construção de casas, compra de gado, redes de pesca ou, simplesmente, comida – o que não seria possível de outra forma. Cada beneficiário recebe cerca de US$ 22 por mês, uma fortuna para os padrões locais.
Hoje, no vilarejo piloto, aproximadamente cem pessoas recebem o dinheiro. No segundo semestre, a iniciativa completa será colocada em prática. Seis mil receberão dinheiro mensalmente durante 12 anos. Um segundo grupo, de 10 mil pessoas, receberá mensalmente por dois anos. E um terceiro, também de 10 mil pessoas, receberá o valor referente a dois anos, mas de uma vez só. A organização quer analisar os efeitos em cada uma das “amostras”. “Nosso principal objetivo é aprender”, diz Joe Huston, diretor financeiro da GiveDirectly. “Se você tem uma renda garantida, esse nível de segurança muda as suas escolhas? Universalidade, ou seja, dar o dinheiro para todos na população, e não só à parte mais vulnerável dela, é importante?”
O resultado desses e de outros programas em fase inicial de implantação servirão de base para o avanço da discussão nos próximos anos. Sejam eles positivos ou negativos. Como coloca o futurista Federico Pistono, autor do livro A Tale of Two Futures (“Um conto de dois futuros”), em sua leitura na plataforma de vídeos TED Talks, ainda não existem evidências suficientes, nem contra nem a favor da renda básica universal. Para ele, é preciso testá-la em populações maiores, realmente representativas, com grupos controle e levando em consideração as diferentes realidades de cada país, durante períodos de tempo mais amplos. “Precisamos de mais informações e de informações melhores”, afirma. “Mas, diante dos desafios, não há por que não tentar.”
Suplicy explica de outro jeito. “A maior vantagem de um programa de renda mínima é do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano”, ele diz. “É a moça que não consegue dar de comer em casa para suas crianças e acaba vendendo o seu corpo... É o jovem que, pelas mesmas razões, resolve ser o ‘aviãozinho’ da quadrilha de narcotraficantes... Com o básico, essas pessoas vão ganhar o direito de dizer ‘não’.”
Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de julho de 2017 de Época NEGÓCIOS.
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